segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Das mudanças na fronte (ou sobreamar)

Cortou os cabelos e a testa ficou aparente. A partir disso, algo nele ficou irreconhecível. Talvez nem fosse ele e senti medo. A intimidade que compartilhávamos era irresistível.  Como foi dolorido olhar para ele e ver reluzente testa. Falo dessas relações que se vive de maneira muito intensa. Engana-se quem pensa ser fácil aceitar essas sutis mudanças. Era inevitável que ele perdeu algo muito dele, algo que também era muito meu. Acontecia assim com a gente, não sabíamos muito sobre o que era próprio de um ou de outro e aquela testa evidentemente não era dele e nem minha.
Ria dele, era como uma ginasial desdenhando do amor. Havia medo, mas não houve precisão de sua localidade. Talvez dos passados, traçados nas linhas da testa. Ou então, era apenas a imensidão do amor, maior que eu, que ele ou que os passados. Fiquei atônita, havia algo que não se perdia entre ele e eu e era próprio de cada um, havia um passado. O medo aumentou minhas olheiras e a noite transcorreu fria, com um corpo que já não era o dele ao lado de um corpo meu alheio e aquela testa, cheia de marcas estranhas que guardava em suas linhas histórias e amores, ele e ela, não eu.
A voz traria de volta a intimidade e a imensidão negada dessa relação, preferi então calar. Preferi fingir que não havia testa, noite, corpos e amor. Mas o telefone no meio da tarde trouxe sua voz e tudo que é tão nosso e tão maior que as marcas do passado. Não pude negar que ele era o mesmo, falávamos um ao outro com extrema sinceridade, sorrimos com nossas vozes e esqueci.  O passado tem de ser só isso, uma linha na testa, uma antiga fotografia empoeirada, um esbarrar-se na rua sem afeto.
E a história tente a terminar assim, acabaremos embriagados, derramando declarações. Imunes a ausência de cachos que um dia nos escondeu sua testa. Seremos os mesmos refletidos na escuridão dos olhos, com os corpos unidos e os passados esquecidos no fundo de qualquer gaveta velha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quero sua opinião também...